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SERENO DA VIA LIGHT: 10 ANOS DE AMIZADE QUE GERARAM UM CLÁSSICO
Por Gilbert
Publicado em 12/11/2025 14:20 • Atualizado 13/11/2025 18:33
Música

“Sereno da Via Light”. O projeto simboliza não apenas a maturidade artística da dupla, mas também a força de uma conexão construída ao longo dos anos — entre estúdios improvisados, rimas sinceras e madrugadas de criação.

Segundo Lessa, o título “Sereno da Via Light” faz referência aos momentos em que os dois costumavam se reunir nas proximidades da famosa via expressa que liga a Baixada Fluminense à cidade do Rio de Janeiro. “Era ali que a gente passava horas trocando ideias, escrevendo, sonhando com o que ainda viria. O sereno, o frio da noite e as luzes dos carros viraram parte da nossa história”, relembra o rapper.

Mais do que um simples lançamento, “Sereno da Via Light” surge como um tributo às origens, de uma maneira não convencional e totalmente única — às ruas que moldaram o olhar dos artistas e ao ambiente urbano que sempre serviu de pano de fundo para suas criações.

Para início de conversa, devo ressaltar o quão única é a musicalidade desse projeto de 13 faixas na sua versão disponível nas plataformas digitais, que conta ainda com duas faixas extras na sua versão física em fita cassete. Vale ressaltar que tive acesso às faixas extras (risos).

É notória a química entre Lessa e Muitobomloopar em TODAS as faixas, frutos desses 10 anos de amizade entre os dois. O álbum transita entre beats pesados, como na faixa dupla “Ruas da Grécia/Clube Silêncio”, que relata de maneira minuciosa uma noite na Baixada que, em seu ápice, dá lugar ao silêncio com um belíssimo sample de Wilson Simonal — que soa como um tema do álbum — e faixas onde o instrumental é mais voltado ao jazz experimental, como em “Salvação”, que é simplesmente perfeita. Há também uma vibe mais dançante em “Knockout”, com a participação absurda de Duvô, figura emblemática nos projetos de Lessa. Faço uma menção à faixa “Mira Laser”, do álbum Wilson Grey (2022), que é uma das minhas preferidas.

 

A Via Light e a “Cultura da Tensão”

A Via Light, enquanto arena de conflitos e tensões sociais, aparece no imaginário cultural local. Em “Sereno da Via Light”, as letras do álbum abordam temas de suspense e tecem uma cena de crime (“Globo da Morte”), o que pode ser relacionado ao cenário de vulnerabilidade social e à alta taxa de criminalidade (homicídios de 60,9 por 100 mil habitantes em 2017) que historicamente atinge a região. O álbum utiliza a Via Light como um pano de fundo concreto e simbólico para narrar as contradições e a realidade crua e multifacetada da vida urbana contemporânea.

O álbum ecoa essa realidade ao tratar de frustrações de carreira e dinheiro, aperto financeiro e exaustão física. Essas experiências cotidianas se alinham com a percepção de abandono e desigualdade que persiste nos bairros periféricos da cidade, enquanto a rodovia serve como palco da coexistência entre o crescimento urbano e o investimento público (o centro modernizado) e a situação de descuido e pobreza (a periferia). O álbum capta essa dualidade ao incluir faixas sobre os altos e baixos (“Gangorra”) e a busca por fazer dinheiro fácil por maneiras não ortodoxas, como em “Entretenimento”.

Por fim, “Sereno da Via Light” se consolida como uma obra singular dentro do rap nacional — uma verdadeira síntese de técnica, pesquisa e emoção. O projeto resgata a essência da chamada “Era de Ouro” do gênero, reinterpretando-a sob uma ótica contemporânea e pessoal. A dedicação de anos do produtor Muitobomloopar à pesquisa de sonoridades, texturas e referências é perceptível em cada detalhe: dos samples meticulosamente escolhidos à construção minuciosa das atmosferas sonoras, que conduzem o ouvinte por uma narrativa coesa e envolvente do início ao fim.

Mais do que um disco, “Sereno da Via Light” é uma declaração artística sobre o verdadeiro propósito do rap — o de rimar por paixão, por expressão e por identidade. A entrega da dupla, aliada à autenticidade de Lessa Gustavo nas rimas e à precisão estética de Muitobomloopar nas produções, faz do álbum uma celebração da cultura hip-hop em sua forma mais pura e atemporal.

 

 

 

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